Capítulo Um - Rosa Branca
Me chamem de tola, ingênua, mas eu realmente acreditei naquele homem. Realmente acreditei em Raymond. Eu deveria ter 8 anos naquela noite... Há oito anos a Emilly que morava no submundo havia morrido. E fazia oito anos que Emilly Herloz havia nascido. Hoje eu admito que naquela noite eu fui a pessoa mais tola e ingênua ao aceitar ser adotada de forma tão repentina por um estranho. Hoje ainda sou tola e ingênua, mas quero acreditar que menos. Hoje sei que minha escolha naquele momento foi desesperada. Mas qualquer pessoa sempre agarra a esperança com toda força que tem. E Raymond estava lá, me dando uma chance de mudar.

Durante 8 anos aprendi a viver como uma pessoa da superfície, aprendi a me socializar com pessoas, a conversa decentemente, a ter modos entre tantas outras coisas. Mas a mais difícil foi a luz. Eu era um

a criatura da escuridão, para seres da escuridão como eu, viver na luz era impossível. Mas por algum milagre eu estava vivendo na luz. Comecei a andar pelo jardim da imensa mansão, cantarolando alguma musica. Me sentei perto da imensa fonte, que tinha uma escultura de anjo e abri o livro que trazia comigo.

- Senhorita Emilly? – Escutei a voz de Elena, um das empregadas, sempre gostei muito de todos os funcionários. E não gostava quando eles me chamavam de modo formal. Fiz uma careta. – A... Sinto muito.

- O que houve Elena? – Perguntei, voltando a sorri costumeiramente.

- O Senhor Raymond acabou de ligar. – Começou ela. – Disse que deseja falar com você imediatamente.

- Ele esta vindo para casa?

- Não, ele quer que você vá ate o escritório dele. – Disse ela, talvez tão surpresa quanto eu. Raymond não me deixava sair de casa. Somente os empregados sabiam da minha existência. Como eu havia sido adotada, Raymond esperava a hora certa para me apresentar para a sociedade, como sua irmã. – Pediu para que eu a acompanhasse até o escritório.

- Certo... – Me levantei. – Elena, você acha que aconteceu algo?

- Provavelmente não. Senhor Raymond estava muito tranqüilo. – Ela sorriu de forma carinhosa e gentil.

Estava na frente da mesa de meu irmão, sentada em uma das duas poltronas. Elena estava em pé ao meu lado, havia dito para ela se sentar. Mas ela continuava em pé. Meu irmão estava em uma reunião e estávamos o aguardando.

A porta do escritório começou a abrir, a madeira rangendo um pouco. Tanto eu quanto Elena olhamos para trás, para ver quem estava entrando. Raymond ,assim que entrou, sorriu.

- Sinto muito, a reunião acabou me pegando de surpresa. – Ele se sentou na cadeira da grande mesa de madeira. – Emilly, sabe me dizer a quanto tempo você estar morando comigo?

- Oito anos... – Disse em voz baixa.

- E com que idade estar agora?

- Quinze anos, quase dezesseis.

- Bem... – Ele olhou diretamente para mim. – Você sabe que, e comum se fazer uma festa para se apresentar uma jovem moça a sociedade aos dezesseis anos, não é? – Assenti para ele. – Pois iremos fazer isso. Irei lhe apresentar como sendo minha irmã caçula. – Ele se levantou ficando de costas para mim e Elena, olhando pela janela. – Meus pais sempre deixaram a vida muito resguardada. Irei dizer que no momento que nasceu, você e minha mãe foram para uma de nossas casas no campo, passar um tempo, que meu pai achou melhor você crescer longe da realidade do mundo, para crescer sendo uma jovem correta, sem a má influencia da sociedade. E que hoje, depois de dezesseis anos vem para o mundo, ser apresentada, não como uma criança, mas como uma dama. – Ele se virou para mim.

- Senhor Raymond. – Um dos empregados de meu irmão surgiu na porta. – O senhor Hobblrdy disse que precisa ter uma reunião urgente com você.

- O que será que este homem quer dessa vez? – Raymond suspirou pesadamente e se levantou. – Peço desculpas por isso, podem ir para casa agora.

Ele saiu andando do escritório. Logo eu como Elena fizemos o mesmo, andando para fora do prédio.

- Elena, eu vou ir à padaria ta? – Comentei sorrindo ajeitando meu chapéu, para ninguém poder ver meu rosto.

- Mas Emilly, se o senh...

- Não se preocupe Elena. – Sorri para ela. – Eu vou e volto para casa rápido. Você sabe que eu corro bem rápido. – Me virei de costas e sai correndo. Não deixei ela ter chance de falar comigo.

Elena era a única criada que sabia a minha historia, já que Raymond queria manter segredo que eu havia saído do submundo. Deveria ser para me proteger, já que as pessoas tinham grande preconceito com pessoas como eu. As tratavam como lixo, criaturas sem importância. Meros animais.

Parei de correr na frente da padaria. Suspirando pesadamente. Por que tinha que ter tanta gente ali? A fila estava enorme e desestimulante.

- A... Finalmente! – Abracei meu pacote de biscoitos contra o peito. Adorava os biscoitos daquela padaria, eles tinham algo de diferente. Olhei para o céu, já estava anoitecendo. Parei de andar na frente de um beco, a tampa de um bueiro estava sendo levantada. Mordi os lábios, andando discretamente ate lá.

- Ei... – Murmurei para as duas crianças que tentavam sair de lá, era um garoto e uma garotinha, deveriam ser irmãos. – Ainda tem muito guardas pela rua e... – Senti um braço envolver meu pescoço e algo afiado ser encostado em minha garganta.

- Se pretende contar para eles que estamos aqui, vai perde sua cabeça. – Disse uma voz masculina em meu ouvido. – Assim como vocês não tem pena em nos matar, nós também não temos.

- Eu também sou do submundo! – Exclamei em voz baixa. – E trazer essas duas crianças nesse horário e querer fazê-las de sacrifício! - Impossível, você não pode ser do submundo. – Ele apertou um pouco mais a faca contra meu pescoço. – Não fale blasfêmias, sua arrogante! Fechei meus olhos. Se eu disse-se meu apelido da época do submundo dificilmente saberia quem eu era, afinal fazia 8 anos já. Suspirei. Iria ter que nocauteá-lo para me livrar daquilo. E o que uma garota baixa e fraca faz pra se livrar de um brutamonte? Chuta ele no meio das pernas obviamente!

Me livrei de seus braços lhe dando uma joelhada no estomago e outra na região de sua virilha e bufei. Ele, além de idiota, era fraco. Como ele tinha sobrevivido ate a fase adulta?

Me virei para as crianças e as entreguei os biscoitos.

- Voltem para casa, e perigoso saírem agora. – Sorri gentilmente para elas. Comecei a andar para fora do beco. Logo escutando uma risada baixa. Me virei, era um homem de cabelos ruivos não conseguia ver seu rosto direito por causa das sombras do beco, e já estava ficando bem tarde também...

- Eu iria ter ido ajudá-la... – Ele estava quase chorando de rir. – Mas nunca imaginei que uma bonequinha de porcelana pudesse nocautear um grandalhão daqueles. – Ele continuava a rir.

- Está rindo do que? – Olhei para ele pelo canto dos olhos.

- Como uma coisa pequena assim, derrubou um gigante. – Ele sorriu botando a mão na minha cabeça. Logo ficando serio. – Criancinhas como você não deveriam ficar andando pela rua nesse horário. – Ele aproximou o rosto do meu, deixando seus lábios próximos do meu ouvido. – Afinal, aquele era só um idiota bêbado do qual você teve sorte de derrubar. Quem sabe o que poderia ter acontecido com você. – Ele riu cinicamente. - As pessoas do submundo nos vêm com ódio, afinal as tratamos como vermes... - Ele se afastou, ficando logo ao meu lado e botando a mão no topo de minha cabeça. – Afinal, você deve vê-los da mesma forma, como meros vermes, que precisam de piedade. Certo? – Ele saiu andando.

Mas... Que cara prepotente!

Sai correndo para voltar para casa, iria ter que agüentar voltar com esse desaforo já que o toque de recolher começaria logo. As ruas estavam quase vazias e estava meio escuro. Aquilo era de certa forma nostálgico...

- Emy! Emy! – Escutei os gritos de Emilio me chamarem. – Emy vem aqui rápido!

- Emilio é perigoso! – Disse segurando os poucos objetos que havia conseguido pegar. O garoto de cabelos prateados e olhos verde água veio ate mim me puxando pela mão, me fazendo derrubar as poucas coisas que segurava.

- Deixe de ser medrosa! – Disse ele rindo. – Olha. – Ele apontou para o imenso jardim de uma casa. Estava cheio de rosas brancas, que estavam estranhamente abertas, mesmo estando de noite. E a luz da lua fazia parecer que aquelas flores também tinham luz própria, uma luz pálida.

- Que lindo! – Sorri maravilhada.

Emilio andou até o jardim pulando o pequeno muro e pegando uma das flores voltando correndo ate onde eu estava, me entregando a rosa.

- Emy... – Peguei a rosa, ele abaixou o rosto. – Promete que sempre estaremos juntos?

- Uhum. – Sorri. – Sempre estarei junto de você Emilio, afinal, sempre ajudamos uns aos outros a sobreviver e crescemos juntos...

Emilio me abraçou fortemente chorando.

- Eu não vou deixar você morrer! Eu prometo!

O abracei. Segurando o choro, a irmã mais velha dele havia sido pega recentemente... Não encontramos seu corpo quando fomos procurá-lo. A única coisa que fazia Beatrice ter uma prova de que existiu, eram as lembranças que tínhamos dela...


Parei de andar chorando. Era estranho eu sentir saudades do submundo, era assim que eu achava que deveria pensar. Mas... Quando me lembrava das pessoas que deixei para trás...

- Emilio... – Abaixei o rosto, voltando a corre para casa.

Queria saber como todos estavam... Nunca havia parado para pensar... Mas Emilio deveria se culpar pela noite que Raymond me tirou do submundo. Afinal, eles talvez tivessem ido procurar meu corpo para me enterrar e não o acharam... O mesmo fim de Beatrice...

Parei de correr na frente da mansão de Raymond. Talvez alguém também tenha salvado Beatrice... Talvez uma pessoa bondosa a tenha adotado também... Engoli o choro. Talvez existam outras crianças que também foram salvas assim como eu. Então, todas as pessoas do submundo tinham esperanças de escapar de lá certo?

Irei rezar para que isso seja verdade então...